quarta-feira, 12 de outubro de 2011

o melhor cego é o que vê e bem

Primeiro, era a doença das vacas loucas. Depois, a gripe das aves. Tudo pragas a que eram associados uns números e umas letras esquisitas que nunca ninguém perdeu tempo a memorizar. Os jornais e as televisões também foram contaminados e não nos ofereciam outra coisa para ler ou ver que não isso.
Actualmente, um novo surto parasitário se tem estabelecido pelo país. Ultrapassados os problemas neurológicos e respiratórios, respectivamente, que as pragas atrás referidas comportavam, o vírus mais recente tem como sintoma uma falsa sensação de perda de visão, que se consubstancia, cientificamente, naquilo que alguns oftalmologistas de balcão (como alguns dentistas há uns anos atrás, quando fizeram dos aparelhos os seus poços de petróleo) dizem tratar-se de "miopia" ou "estigmatismo".

Vai daí, assiste-se a um movimento patológico deveras surpreendente: indivíduos que até à data (que se saiba, pelo menos - isto das enfermidades de cada um tem muito que se lhe diga) nunca haviam sofrido de maleitas oftalmológicas, passaram, todos eles, a ver mal. Tão dramático foi o diagnóstico que se achou por bem que se medicasse um antibiótico muito próprio: uns óculos, de massa, pretos, de lentes quadradas, de preferência com uma inscrição dizendo "Ray Ban" (isto no que toca às vistas mais vale abrir os cordões à bolsa, e a crise com as couves). Mais: foi incluída na receita a perscrição de que a utilização deste peculiar antibiótico se deveria reforçar nas horas de menor luminosidade, sobretudo nos espaços nocturnos de grande movimento, onde a aglomeração de um elevado número pessoas pode constituir uma ameaça à diversidade e singularização dos transeuntes.

O prognóstico dos especialistas mais optimistas do meio vai no sentido de que, mau grado o estado das coisas, é possível prever que a situação se possa inverter a qualquer momento. Entre eles, alguns - que preferem manter o anonimato - chegam mesmo a afirmar que "a moda é assim". Embora com reservas, admitem que, num futuro próximo, se possa assistir a um fenómeno de des-utilização deste antibiótico e que todos voltem novamente, por assim dizer, a ver bem.

3 comentários:

Anónimo disse...

como questão prévia, é curioso o tema do livro " A Arte de ver" de Huxley.

a indústria do vidro preparado para os óculos e afins.

Street Fighting Man disse...

mas a especificidade da doença exige que não devam nem possam ser uns ray ban quaisquer. mais do que uma necessidade, uma doença.

Francisco disse...

eu chamar-lhe-ia antes a indústria do consumo. (eufemismo para: consumismo acéfalo)