terça-feira, 26 de março de 2013

o arrebatamento (2) (ou o reencontro)



Mudar de Vida (1966), Paulo Rocha.


Minutos 5:30-8:20 (uma  sequência que devia fazer parte de qualquer curso universitário de cinema, digo eu, sei lá).

No momento do reencontro, a dúvida: "que mulher és tu"?, como quem devolve a si mesmo a pergunta "que homem sou eu?". Enfim, outra forma de sondar o inevitável: "Quem somos nós, agora? O que somos nós, passado este tempo?".

domingo, 24 de março de 2013

o arrebatamento

"Era uma amorosa compulsiva e, se aquele rapaz da Gralheira desaparecesse da sua vida, ela punha na solidão o arrebatamento que era afinal uma vocação da espécie, a de se transformar para sobreviver. Tudo o que nos arrebata e comove é afinal um indício de fuga à promiscuidade da civilização".

Agustina Bessa-Luís, Doidos e Amantes, 2ª Ed., Guimarães Editores, 2005, p. 129.

metades



"Metades", ProfJam (não editado).

segunda-feira, 18 de março de 2013

down with the king



Para sempre que vos disserem que um concerto precisa de ter uma banda com instrumentos: Pete Rock & CL Smooth, ao vivo, em Paris (inspirado num post do Sam the Kid que gostaria de ter sido eu a fazer).

domingo, 17 de março de 2013

ouro


O Rio do Ouro (1998), Paulo Rocha.

um díptico para ouvir em 2013




Foi com o poderoso díptico composto por Most of My Heroes Still Don't Appear on No Stamp (Julho) e The Evil Empire of Everything (Outubro) que os Public Enemy nos brindaram em 2012. Os PE são um daqueles raros fenómenos que, continuando a fazer, em termos musicais, mais ou menos o mesmo que faziam em 80 e 90 (daí um permanente sabor oldschool que os mais fiéis degustarão com prazer), conseguem, um pouco inexplicavelmente, manter a sua música sempre fresca e apelativa. Em termos líricos, Chuck D continua a fazer o rap político, conspirativo e apocalíptico de sempre, com os seus alvos predilectos na mira (a política norte-americana, interna e externa; os media; a marginalização da população negra). E essa insistência não é motivo de fastio: como referiu grande parte da crítica norte-americana, as rimas desassombradas e acusatórias dos autores de "Fight the Power" talvez ainda façam mais sentido e se mostrem mais urgentes no momento por que hoje o mundo atravessa (e, muito particularmente, está claro, os EUA) do que nas décadas em que fabricavam hinos como esse - não esqueçamos que a década de 90 foi a década de Clinton, que, para todos os efeitos, foi dos mais "sociais" (no sentido de social-democracia) Presidentes da história do EUA.

O que diria, por exemplo, Obama, Presidente dos EUA – ele que já afirmou gostar de ouvir hip-hop, nomeadamente de Jay-Z e Kanye West (pena que dizendo, de seguida, ainda preferir os "clássicos" como Stevie Wonder ou Marvin Gaye, como se o hip-hop se resumisse, no tempo e nos temas, a Jay-Z e Kanye West (!)) , deste díptico, quando os PE sempre falaram de um sistema político perpetuador da opressão da comunidade afro-americana (ideia bem expressa no título do seu terceiro álbum, Fear of a Black Planet, 1990)? Diria que sim, que a urgência das palavras de Chuck D continua a fazer todo o sentido nos dias de hoje? Ou relativizaria (desmistificaria), acenando com o facto de ele próprio, afro-americano, ter conseguido alcançar o topo da estrutura política norte-americana? E, nesta segunda hipótese, terão ainda algum significado as críticas e insinuações dos PE quanto a uma conspiração, ou, pelos menos, manipulação, do governo norte-americano sobre a população (nomeadamente, a negra)? São para algumas destas interrogações e (eventuais) contradições, de que se faz a massa do pensamento crítico, que a audição deste díptico dos PE abre as portas. De resto, os PE continuam a acreditar - graças a Deus - que ainda há quem queira pensar a fundo sobre os problemas, para além da espuma (e da estupidez) mediática dos dias - por isso é que, muito gentilmente, deixam um pequeno lembrete na capa do disco: The Cheapest Price To Pay... Is Attention.

sábado, 16 de março de 2013

o romance é outro


Os Verdes Anos (1963), Paulo Rocha.


"Quando a gente cresce e se faz homem, o romance é outro: é o romance de levantar a nossa vida, de a pôr bem alto, para que não a pisem".

quarta-feira, 13 de março de 2013

lives forever

É curioso como este glorioso verso do Kendrick Lamar na "Money Trees", Everybody gon' respect the shooter / But the one in front of the gun lives forever, pode ter boa aplicação no que ao amor diz respeito - ou, melhor dizendo, ao seu fim. A mesma bilateralidade, a mesma noção espacial de oposição (um, de pé, empenhando a "arma"; o outro, defronte, como que vendo a sua altura encolher por uns segundos, tombando, de seguida, no chão), a mesma tragédia, o mesmo jogo de cintura. Com essa diferença, não sem dificuldades de intepretação/assimilação: the (other) one lives forever - mas vive para sempre com quê? De quê?... Para quê?

segunda-feira, 11 de março de 2013

pensamento dissolvente (ou insolvente)

"Nos últimos anos, assistimos à emergência daquilo que ele [Pierre Rosanvallon] designa como a contra-democracia e que, no fundo, corresponde ao advento de uma época marcada sobretudo pela prevalência do princípio da desconfiança. Até então, as nossas democracias representativas assentavam na confrontação de projectos alternativos, inspirados em representações ideológicas, ou em programas políticos de natureza global que reportavam a visões compartilhadas de um mundo comum. Por mais antagónicas que tais posições se revelassem, elas apelavam sempre a uma perspectiva geral da actividade humana. Tudo isso se modificou nos últimos anos. Assistimos à emergência de um modelo de participação pública menos preocupado com a concretização de um projecto e mais empenhado na fiscalização da acção prosseguida pelos titulares de poder público. Tal circunstância conduziu à desvalorização de uma cidadania empenhada na prossecução de um programa e proporcionou a afirmação de uma nova forma de intervenção política caracterizada pela predominância de um pensamento simultaneamente dissolvente e vigilante. Não será por acaso que o nosso tempo está tão associado ao elogio acrítico do princípio da transparência. O triunfo da desconfiança, que adquire a sua expressão extrema na apologia dos mecanismos da judicialização da política, traduz adequadamente as principais características da época em que vivemos. Os cidadãos, desconfiados da utilidade de qualquer projecto político, sentem-se levados a valorizar uma atitude crítica face a qualquer manifestação de poder, atitude essa para onde convergem uma ética simplista e um apelo populista quase irresistível. As pessoas que se manifestam nas ruas pelos mais diversos e respeitáveis motivos estão, sem dar conta disso, a correr o risco de imersão num magma anti-representativo de imprevisíveis consequências. Contudo, não nos enganemos. Não estamos perante a ameaça de um recuo da política. Estamos perante uma nova forma de participação política onde à contestação do primado da lógica representativa corresponde a afirmação de uma linha de orientação marcada pelo princípio da desconfiança e pela publicitação de reivindicações puramente fragmentárias.
(...)
De certa forma, as nossas sociedades contemporâneas estão confrontadas com um vazio absoluto que resulta da total desvalorização de princípios minimamente transcendentes, sejam de natureza religiosa, sejam de âmbito puramente racional. (...) A radical imanência das sociedades democráticas pode conduzir à sua completa ingovernabilidade".

Francisco Assis, "Uma nova forma de participação política", in Público, 7 Março de 2013, p. 48.

quinta-feira, 7 de março de 2013

damn I love hip-hop



"The Blues Got Ya", álbum Luv NY (2012). Do super-grupo inominado formado por Roc Marciano (!), Kool Keith (!!), A.G. & O.C., Kurious e Ray West (produtor).


Luv NY: das melhores coisas que Nova Iorque nos deu em 2012. Amemo-la, pois então.

"While NY is no longer the same, it remains the epicenter of a specific energy, of a music and a culture, with which entire generations grew up. The purpose here is to revive the Big Apple, which let s not forget was the reference, the driving force, and the heart of this music and this culture. NY indeed lost some of it's vigor, and it's soul, and NY rap just reflected this. Luv NY brings back to this NY where all could be done and undone at a street corner. Brings back to his energy, this atmosphere, the tale of a city which used to dictate codes, fashions and expanded its energy all over the country and the world. Far from gentrified rap, from rap that became middle-class, this is an album of unpretentious stories, unadorned stories, on etheral productions with a feel of memories of another city and other times. NY will never be the same again, let's celebrate what it used to be, let's cherish it for what it is and what it will be. And consider Luv NY as a manner of celebration". Daqui.

cinema na rua dos bragas



O Cineclube FDUP está de volta, naquela que é, a meu ver - e eu já ando nisto há uns tempitos  -, a melhor programação dos últimos anos. Se quiser voltar a discutir o conceito de "serviço público", pode começar por aqui, Senhor Relvas.
As minhas escolhas recaíram sobre o Satyajit Ray e sobre o Renoir, de quem A Regra do Jogo já cirandava pelo meu caderninho de hipóteses para a programação do Cineclube desde... 2010.

Na Faculdade de Direito da UP, às terças-feiras, pelas 18h15, sala 0.01 (piso do bar). Entrada gratuita - sem "tendencialmentes" ambíguos. Até lá!



Serão 3 meses com o melhor do cinema mundial, a começar com o neo-realismo - tardio e, por isso, mais sofistificado, como que prenunciador das derivas estéticas difusas por vir - de um dos nomes maiores do cinema italiano (e da arte italiana, em geral, do século XX): Pier Paolo Pasolini, em estreia absoluta no Cineclube FDUP, traz-nos a histórica Anna Magnani num dos seus mais belos papéis, em Mamma Roma (1962).

Dia 2 de de Abril é a oportunidade para ver uma das maiores obras da história do Cinema directamente da câmara de uma das suas maiores figuras, Jean Renoir, cineasta que, mesmo no turbilhão dos críticos dos Cahiers du Cinéma (Godard, Trauffaut, Rohmer, etc.) dos anos 60, manteve sempre o seu estatuto de Mestre e visionário. A Regra do Jogo (1939), filme-síntese-tratado da decadência da burguesia francesa (o relativismo, a amoralidade, a hipocrisia, etc.) e suas convulsões no período entre as duas grandes guerras que marcaram o século XX é a proposta do Cineclube FDUP para a iniciação à obra de Renoir.

Outra estreia absoluta é a de Chantal Akerman, cineasta que, inspirada na Nouvelle Vague francesa, construiu um percurso único marcado pelo experimentalismo e pela desmontagem das fronteiras entre a ficção (e da narrativa convencional que a ela costumamos associar) e o documentário, num universo pontuado pelas noções de linguagem, tempo e espaço (arquitectónico, também), bem como de solidão ou de intimidade. Je, tu, il, elle (1976) está aí para nos fazer mergulhar nesta idiossincrática filmografia.

The Goddess of 1967 (2000) é o filme que nos traz Clara Law, nome-charneira da chamada "Segunda Vaga" do cinema de Hong-Kong (anos 80), a mesma em que se integra, por exemplo, Wong Kar-wai, um realizador que o Cineclube já teve oportunidade de exibir. Cineasta focada no tema da diáspora chinesa e dos resultados que essa interculturalidade origina (o amor, a solidão, o choque), é mais uma ambiciosa aposta do Cineclube na divulgação do cinema asiático menos conhecido entre nós.

A fechar a sua programação regular, o Cineclube apresenta um cineasta absolutamente ímpar e nunca antes mostrado no panorama cineclubístico universitário do cidade do Porto:Satyajit Ray traz o cinema de autor indiano pela mão do primeiro tomo da sua famosa Triologia de Apu: O Lamento da Vereda (1956), filme icónico do indiano que funde a estética do realismo (tributário de De Sica e outros) com temas intemporais, como o papel da Arte, a mudança e a passagem do tempo, ou o confronto entre os valores tradicionais e os modernos e sua percepção pelo indivíduo.

terça-feira, 5 de março de 2013



A Princesa Pele de Burro (1970), Jacques Demy.

Herzog ao milímetro

 
 
Novo ciclo, dedicado a Werner Herzog, proposto pela Milímetro. Arranca esta quinta-feira, com Aguirre, O Aventureiro (1979). Às 22h, no Passos Manuel.

segunda-feira, 4 de março de 2013

poetic justice



"Poetic Justice" (com Drake), álbum good kid, m.A.A.d city (2012). Kendrick Lamar.


Kendrick Lamar: o homem que não dá um passo previsível. Só isso explica a concepção de um teledisco noir como este para uma música cuja doçura - musical e, aparentemente, liricamente falando -  faria supor imagens luminosas e nada problemáticas. O que obriga a revisitar, com outros olhos, o misterioso e fortíssimo título da música e até a própria letra, como se a justiça de que se fala fosse a shakespeareana, isto é, e em poucas palavras, morrer por (e de, necessariamente) amor. Poética, claro, e radical.