quarta-feira, 13 de julho de 2016

Curtas Vila do Conde #5: Sean Durkin

 
 
Inicia-se hoje a secção In Focus, este ano dedicada à produtora americana Borderline Films, criada e dinamizada por Antonio Campos, Sean Durkin e Josh Mond, três dos mais interessantes nomes do cinema americano contemporâneo.
 
Escrevi para o catálogo do festival sobre a curta (exibida hoje) e a longa (passa sexta) de Durkin presentes no Curtas. Bons filmes.
 
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Mary Last Seen
Com apenas 500 dólares no bolso e enquanto consolidava o argumento de Martha Marcy May Darlene, Durkin filmou esta curta aplaudida em Sundance e premiada em Cannes 2010, a qual é, a bem dizer, toda uma introdução à sua primeira longa, como que deixando as “pistas” para o que viria. Em ambas, o objecto central da atenção do americano é uma seita que vive numa comuna e o tipo de relações e efeitos que se estabelecem sobre os seus membros, outra forma de perscrutar um complexo país chamado América. De alguma forma, é como se a curta terminasse onde a longa se inicia, como se nos deixasse “à porta” desta última, literalmente: o filme termina com a personagem interpretada por Brady Corbet (o recruta de novos membros em ambos os filmes) a deixar a namorada Mary (a insistência no “M”) na sua “nova casa”. Na curta, trata-se da iniciação à seita; na longa, as consequências da estadia e a fuga.
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Com poucos recursos, Durkin consegue filmar com bastante sofisticação (alternando os planos fixos e as panorâmicas com uma câmara à mão cuja mobilidade ao estilo home video insinua a atmosfera de thriller que se confirma depois na longa) e o excelente tratamento de som contribui para a sensação de something’s wrong que desde início se pressente (o telemóvel que desaparece, a indiferença do rapaz perante esse facto…). Também à semelhança da longa, há, logo aqui, o interesse pela paisagem, filmicamente mas também programaticamente falando, na medida em que, filmando a ruralidade, Durkin vai de encontro ao coração da América tradicionalista e conservadora para questionar todo um país e sua mitologia, de alguma forma acabando por confundir o espectador ao concentrar no mesmo espaço geográfico e mitológico (a tal ruralidade) a “velha América” e as seitas com filosofias de vida aparentemente opostas (o anti-materialismo, a auto-gestão, o amor livre).
 
 
Martha Marcy May Marlene
A primeira longa de Durkin vem, na sequência da curta Mary Last Seen, reiterar o seu interesse primordial (partilhado, de resto, pelo seu colega e amigo Antonio Campos): a América e a sua história, a sua mitologia, o seu subconsciente, a sua psique. A partir da história de Martha, uma rapariga frágil e carente de afectos familiares que pensa encontrar-se consigo própria no interior de uma seita (ainda hoje numerosíssimas na América), Durkin questiona os valores, as ideias e as psicoses dessa sociedade tão complexa e fascinante como é a americana, a começar na família, passando pelo materialismo e o consumismo, o american dream, a violência e terminando na derradeira ideia de escape, de fuga – irónico o facto de Martha acabar, depois, a fugir da… seita – a uma sociedade “doente” através de formas alternativas de vida (amor livre, comunitarismo, auto-gestão, etc.).
 
Neste último particular, Charles Manson, uma das grandes “questões” mal resolvidas do século XX americano, vem indisfarçavelmente à tona, passo no qual a cultura totalitária, violenta e, afinal, de ódio que insufla muitas destas seitas é desconstruída por Durkin. A montagem paralela, narrando a acção no presente e em flashback, mais do que criar uma estrutura visualmente sobreposta (de um plano de Martha a saltar, no presente, para um lago passamos para um salto para outro lago no passado, num fluxo contínuo que corresponde ao seu fluxo mental), con-funde, deliberadamente, o presente e o passado, memória e fantasia, realidade e paranóia. Simultaneamente, esse mesmo “paralelismo” favorece e extrema a tensão entre as duas filosofias de vida em confronto, como se tudo se jogasse naqueles dois pólos opostos e não houvesse nenhuma outra opção intermédia de vida para Martha, sintoma de uma certa e real desorientação entre a população americana mais jovem (ontem como hoje).

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